domingo, 18 de novembro de 2012

A arte de construir chocalhos


A crise está a fazer com que algumas actividades e profissões praticamente desaparecidas estejam a ser recuperadas. Na freguesia da Ereira (concelho do Cartaxo), deparámo-nos com um desses casos. Artur Silva e Luciano Jesus recuperaram a arte de produzir chocalhos. Uma arte que tem muito que se lhe diga.
Na base de todo o processo está um simples rectângulo de metal. Luciano pega nele e, à força de muitas marteladas, acaba por moldar-lhe a forma pretendida. Depois, embrulha-o em papel e envolve-o numa massa feita de barro e palha, seguindo-se o necessário processo de secagem. O chocalheiro repete o processo dezenas de vezes ao dia. Ao fim de várias semanas estão, finalmente, criadas condições para se avançar para a fase da fundição, para o que é necessário dar uso ao forno. O seu aquecimento “leva duas horas”, o que implica um gasto substancial de gás. Daí que, por uma questão de rentabilização, apenas seja ligado uma vez por mês, quando já há muitas centenas de chocalhos de diversos tamanhos prontas para serem sujeitas a temperaturas na ordem dos 1200 graus centígrados.
Esse é o dia de trabalho mais longo de cada mês para si, para Artur Silva e os três outros amigos que os ajudam na tarefa. A jornada começa logo pelas quatro horas da madrugada e dura até às seis, sete horas da tarde do dia seguinte. Depois de fundidos, os chocalhos são retirados do forno por Luciano, envergando um fato, máscara e luvas anti-fogo, que os seus colegas, na brincadeira, dizem ser de astronauta.
Mas ainda são várias as fases pelas quais os chocalhos terão de passar antes de estarem prontos para seguirem o seu caminho e cumprirem a missão para a qual são construídos. Mal são retirados do forno, têm de ser continuamente “rebolados no chão” durante alguns minutos “para não coalhar no mesmo sítio”, após o que são mergulhados na água. Parte-se, então, a massa que envolve os chocalhos, os quais são, posteriormente, polidos. Com mais umas leves marteladas, Luciano dá-lhes a afinação de som, coloca-lhes o badalo e o processo fica, finalmente, concluído.
   Produzir chocalhos era uma ideia que Artur Silva tinha já há algum tempo. Aprendeu com o pai a arte da correaria e pretendia acrescentar os chocalhos ao lote de produtos que tinha disponíveis para os seus clientes. Mas o problema é que não possuía conhecimentos técnicos para construí-los. Até que conheceu Luciano Jesus, cuja família estava ligada ao ramo: “os meus avós foram chocalheiros, o meu pai não seguiu, eu aprendi com um amigo da família e já levo uns 14 anos de profissão”. Recebeu o convite de Artur Silva e largou o seu Alentejo para vir para a Ereira produzir chocalhos. Começaram há cerca de quatro meses e, como a concorrência não aperta, pois já há pouca gente a produzir este tipo de produtos, clientela não tem faltado. Vendem para todo o país e até para Espanha, dando completo escoamento à produção. Artur Silva diz que até nem têm ido muito à procura de novos clientes, uma vez que “a produção ainda é pequenina, mas estamos a tentar mecanizar um pouco mais o processo” para conseguirem passar para um nível de produção mais avançado.


(Reportagem publicada no jornal O Povo do Cartaxo de 12 Outubro 2012)

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