sexta-feira, 26 de abril de 2013

Vão fingir que não têm trabalho para outro lado

Estar vivo é mau sinal. Quer dizer, é bom por um lado, mas mau por outro, pois é indicador mais do que certo de que a história vai acabar mal. Mas, que diabo, pelo menos enquanto não morremos, podíamos divertir-nos um pouco. Eu ainda sou do tempo em que isso acontecia. Ainda me lembro de ver gente alegre, saudável e feliz por, no mínimo, conseguir pagar as contas no final do mês. No futebol, há adeptos do Sporting que, por serem ainda relativamente novos, nunca souberam o que é ser campeão. Na vida extra-futebolística, por este andar, vamos ter malta que vai chegar à idade adulta sem saber bem o que é isso da felicidade. Sem imaginar o que é um emprego. Tendo apenas uma vaga ideia de que, num mundo perfeito, havia de ser bom conseguir ganhar o seu próprio dinheiro sem estar dependente dos pais. Os mais audazes são até capazes de, em sonhos, se entusiasmarem com a ideia de um dia casarem, irem viver em casa própria e terem meios para sustentar uma criança.
Estar vivo é cada vez menos entusiasmante. Não pela expectativa e temor da morte física, mas por se sentir que todos os dias estamos a morrer mais um pouco. De tristeza. De desalento. De desespero. E se morrer de repente é capaz de ser coisa para deixar uma pessoa à beira de um ataque de nervos, imagine-se a tortura que é ir morrendo aos bochechos. Mas, apesar disso, continuamos a viver acima das nossas possibilidades. Respirar é um luxo que vai para além daquilo que nos é permitido. Por isso, pelos vistos, estão a fazer tudo para que acabemos com essa mania das grandezas. Quem não tem dinheiro, não tem vícios, não podemos viver acima das nossas possibilidades, gritam-nos todos os dias.  Não podemos respirar acima das nossas possibilidades e nem sequer adianta vir com a sinistra ideia do suicídio. É que morrer também está acima das nossas possibilidades, tendo em conta o preço dos enterros. Mesmo os de low cost.
De forma que não nos sobram grandes opções. Resta-nos apenas ir fingindo que vivemos. Isso ainda podemos fazer, até porque mesmo sem viver a sério, há que pagar impostos como gente grande. Como se tivéssemos dinheiro para os pagar, um emprego ou um negócio próspero e não fôssemos uma cambada de mandriões que só querem andar a coçar as paredes com as costas, enquanto esperam pelo cheque do subsídio de desemprego ou do rendimento de inserção. Mas deixem estar que essa mama também vai acabar. Vão fingir que não têm trabalho para outro lado.

(Opinião, Jorge Eusébio. Texto originalmente publicado no jornal O POVO DO CARTAXO, que pode assinar aqui)

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