sábado, 9 de fevereiro de 2013

A lei da selva

A língua portuguesa é rica. Se calhar, rica demais. É capaz de ter até palavras em demasia. Por mim podiam eliminar algumas, como, por exemplo, caridade. 
A caridade é uma atitude individual, geralmente bem intencionada, de dar qualquer coisa às pessoas com maiores dificuldades. Isso é, naturalmente, agradável para quem recebe, mas também para quem dá, uma vez que demonstra, nem que seja a si próprio, ser uma boa pessoa. E como é um gesto altruísta, que não estava obrigado a ter, espera, ou, pelo menos, deseja merecer reconhecimento e agradecimento. O problema maior é que a caridade funciona pontualmente, quando alguém está para aí virado, quando tem tempo ou bens materiais para doar. Acontece que quem precisa, precisa sempre, tem o péssimo hábito de, como qualquer outra pessoa, querer almoçar e jantar todos os dias e não apenas no Natal ou quando alguém acorda bem-disposto.

 
Por isso é que prefiro mil vezes a palavra e o conceito de solidariedade. Implicam, no meu entendimento, ter a visão de que, numa sociedade minimamente civilizada, não é admissível que haja pessoas a viver em condições desumanas. De forma que os cidadãos que assim pensam, aceitam que os seus impostos sejam um pouco mais altos, de forma a que o Estado, que os representa, tenha recursos para acorrer a tais situações. Com os meios e a estrutura que esse mesmo Estado tem, há a possibilidade de detectar e inventariar todos os casos existentes e de proceder a um apoio à medida das necessidades e de forma consistente e não pontual. Um apoio que deve passar não só por ajudar quem precisa a suprir as suas necessidades básicas, mas também a dar-lhe instrumentos para que, o mais rapidamente possível, tenha capacidade de, pelo seu próprio trabalho e esforço, deixar de precisar desse apoio.
Esta é uma forma de ver a vida em sociedade. Outra bem diferente é a de quem, nesta altura, nos governa, que vê as diferenças como naturais e que acha que quem tem talento para conseguir dinheiro não tem obrigação nenhuma de ajudar aqueles que não o possuem. Deve ser cada um por si. Defendem, em bom rigor, a lei da selva.
Há que dar luta a esta forma de encarar a vida em sociedade, sobretudo através da vertente política, tentando fazer com que essa gente seja atirada do poder o mais rapidamente possível. Mas, enquanto esse dia não chega, têm de ser os cidadãos, de forma individual ou colectiva, mais ou menos organizados, a substituírem-se ao Estado, dando luta às situações de pobreza e exclusão social que tenham conhecimento. De uma forma solidária. 

(Opinião - Jorge Eusébio)

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